quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Não vale



      Cansada do sofrimento de sua última tentativa frustrada de relacionamento, ela curtia romances de todas as formas que não incluísse sua presença. Livros, filmes e novelas eram, diariamente, devorados de forma incansável na busca de um ‘felizes para sempre’. Colocava-se no lugar das personagens, sofria com eles. Chorava no final.
       Ela ainda se recuperava da morte de um antigo amor, que de tão ingrato só deixou como herança feridas vivas e saudades torturantes.  Para se camuflar e deixar de sentir por algum tempo, ainda que pouco, pegava livros na biblioteca. Gostava do cheiro.  Usava, assim, de todo o masoquismo pra trocar a dor que deveras sentia por outras, fictícias.
         O tempo passou. Trouxe a conformação. Trocou a burocracia dos romances pela simplicidade realista. Não queria mais saber dele, não morria se ouvisse seu nome. Nada que a incendiava outrora sobrou nem mesmo para alimentar seu vício de sonho.  Sentia-se uma idiota. Cansara-se de cutucar a mesma velha ferida. Era uma pena, mas não valia à pena. Não cabia no amarelo romance empoeirado com data prevista pra devolução.
           Bastava de amores mal vividos, de amantes mal amados, de palavras não ditas. Bastava. Sofrera o necessário para se refazer. Passou. As feridas fecharam, não sobrou uma cicatriz, sequer. E, se o acaso inconvenientemente pensasse em querer fazer recair, não perdia tempo, lembrava: Não vale a pena.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Logo agora?

       Agora? Justamente agora que ela já pensava na vida sozinha, era justo que ele reaparecesse?  Há dois meses, era ela carregada como uma nuvem de lágrimas negras em um verão qualquer. E ouviu friamente que não havia nada de errado com ela, que seguisse em frente. Esquecendo de dizer que ficaria pra trás...
       Hoje ela sorria, comprou novos sapatos, foi promovida no emprego. Estava saindo com um rapaz, essencialmente bonito, não queria nada sério, ela também não, não tinha o compromisso de permanecer, mas gostava de ficar. Era bom, fazia bem. Agora ela se sentia viva, de novo. E é justamente nessa hora que ele pensa em reaparecer?
       Que direito tinha ele de atrapalhar o que ela levou tanto tempo pra superar? Porque não apareceu quando ela ainda vivia no escuro? Porque não bateu de surpresa na sua porta e calou-lhe a boca com um beijo? Porque só agora percebera que a amava? Amava? Porque implantar a dúvida em uma cabeça já tão reformada?
        Mas ele apareceu, dizia que a amava, que sempre amara, só estivera confuso. (Que grande mentira, homens NUNCA ficam confusos, homens sabem exatamente o que querem ou o que não querem) Mas bastou uma ligação de madrugada pra abalar o inabalável.
         Ela tinha opções, poderia voltar e ser feliz, ele a amava, não era isso que dizia? Hesitou... Pensou que já o tinha amado de todas as maneiras possíveis, já se tinha machucado com todas as palavras feitas pra tanto. Tinha pressa. Era de extrema necessidade que ele largasse sua mão, seu coração deveria ser liberto, ansiava em bater apressado. Começava outro verão...

sábado, 15 de janeiro de 2011

Então fala logo

        Ele estava bem, encontrara alguém que lhe mantinha ativas as borboletas no estômago.  Era-lhe bem vinda a risada e o perfume doce que entrava por todos os cantos da casa. Ela lia um poema de algum escritor espanhol enquanto ele lavava a louça do jantar. E regava-lhe as abandonadas plantas no domingo de manhã. Ele a amava. E, no entanto, ela nunca ouvira isso.
         Não restavam dúvidas, ele a amava.  Ela era a dona dos seus melhores beijos e das suas maiores vontades. Ela era o alvo de todas as canções e era a inspiração de todos os poemas.  Mas a falta de palavras pra registrar o que os atos já não conseguiam conter a deixavam insegura diante daquela relação.
        Será que ele a amaria? E se amasse, porque não a dizia? Toda essa dúvida, essa falta fez-se uma obsessão.  Não lhe bastava mais o cinema do domingo e o sono agarradinho depois do almoço . Não era suficiente que ele lhe desejasse todos os dias no tapete da sala ouvindo a música de abertura da novela das oito. Já era passada à hora de dizer.
         Ela precisava ouvir que era amada, com todas as letras que se podia fazê-lo. Só assim teria certeza do sentimento presente. Precisava ser amada verbalmente, na palavra. Do contrário, era caso desconsiderado. Como poderia ser tão intensamente de alguém que não a tinha? Ou, se tinha, não a confirmava?
        Certa feita, entre a travessa quente de macarrão e a mesa do jantar ele a beijou os ombros e disse que a amava. Era a primeira vez que ouvia isso, precisava ouvir. Somente neste momento percebera que nunca o dissera algo semelhante. Ficou atônita, as faces rubras e febris denotavam a sua deselegância discreta. O que deveria dizer? Já fazia uns oito segundos. Esperaria os dez? Diria que também o amava? Como era difícil... Pensou rápido, calou o silêncio com um beijo.
       Percebeu o quanto a alegação anterior não tinha mudado o que já tinham. Já se amavam. Sabiam disso.  Percebeu que amor era estar ali, era pegar no sono assistindo um filme em branco e preto, era brigar, era fazer as pazes. Amor era o cotidiano. Havia alguma necessidade de dizer o que o coração já sabe?  

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Acontece

   
      Ela estava ali, naquele bar, naturalmente linda. Segurava firme um copo de alguma coisa, o esmalte vermelho destacava sobre a bebida transparente. Ali também estaria ele, com a sua superioridade ordinária exalando seu charme másculo, interessante. Porém, por preguiça do acaso eles ainda não haviam se encontrado.
      Mas, às vezes, o acaso é generoso e fez com que, entre uma volta e outra, ele desse de cara com aquela estrutura essencialmente magnífica traduzida em um vestidinho curto que mostrava, num desenho lógico, o que ela não conseguia esconder. Resultado: atração imediata.
      Abordou-a como um caçador que prepara o terreno para abater sua presa. Justamente assim. E quando ela percebeu, estava rindo, ouvindo, estava ali. Surpreendida por aqueles olhos negros, barba por fazer... Ele tinha preparado a armadilha, ela tinha caído.
       (Nota de rodapé) Porém, ela era aquele tipo de menina que tem o coração fácil. Achava o amor da sua vida a cada fim de semana e permanecia perdidamente apaixonada, sempre. Qualquer coca-cola poderia ser rastro de um casamento futuro. Ele era interessante. Sabia disso. E, exatamente por esse motivo, era completamente apaixonado por si. Tinha a mulher que quisesse na cama escolhesse.
         Voltando aos acasos da história, depois de algum tempo de conversa, risadas e drinks ele a beijou. Passaram a noite inteira como se já se conhecessem há anos. Ele pediu-lhe o telefone. Não sei se por causa do álcool ela já estaria perdidamente apaixonada. Ele, completamente satisfeito. Deixou-a em casa com a promessa de ligar-lhe no dia seguinte.
          O dia seguinte foi esperado como se fosse aquele o último. Ele ligou, marcaram de sair e assim aconteceu durante todo o mês, ela estava de fato apaixonada e, infelizmente, ele percebera isso. Fim de papo. Sumiu. Desapareceu. Ela conheceu outro rapaz um mês depois e agora estão saindo. Estão bem. E assim termina mais uma história real.
          Porque ele não ligou? Porque, agora, o papelzinho do telefone dela foi parar na gaveta onde ele guarda todos os outros. Por quê? Simples, ele não estava tão afim. Por quê? Não, ela não é feia, não é gorda, não tem chulé, não fala demais. Ele só não estava mais afim. Vai ser assim com a menina que ele conhecer hoje à noite também. Se ele vai ligar de novo? Sim, ele vai. Talvez precise, mas não fique brava se ele não lembrar seu nome.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Trocando em Miúdos

        
        Demorou a chegarem àquela situação. Quantas brigas antecederam aquela? Ele sentado na cadeira da sala olhava a televisão desligada cujas prestações nem haviam sido totalmente pagas. Ela sentia uma dor intensa no peito. Uma dor que não era física mas que a derrubara ali, no tapete atrás da porta. Pensava no começo, no primeiro beijo, no primeiro cinema, na montagem da casa...
          Reclamava baixinho, chorava tímida e encolhida naquele canto. Não poderia ser o fim. Ele pegava algumas coisas de extrema necessidade e jogava na velha mala preta, usada na viagem pro campo no verão passado. Pegou o disco do Noel, algumas camisas. Deixou um dinheiro sobre a mesa e tentava se despedir sem chorar.
         Olhava-a ao pé da cama desarrumada. As marcas do amor naqueles lençóis quase o impediriam de ir, não fosse o fim tão imprescindível.  E, no entanto, naquele momento de despedida, pra piorar a situação, passava-lhe pela cabeça as melhores lembranças. Ela estava ali, linda, os cabelos desgrenhados sobre a face. Não queria ir.
       O incômodo silêncio transformava o que havia passado em sombras. Não havia esperança de as coisas se arrumarem. Não se pode requentar o amor. Podiam prosseguir baseados em memórias de um passado que não existe mais? Ele saiu frívolo, como a aliança que repousava sobre a mesa, a esta altura encharcada de lágrimas.
        Bateu o portão sem deixar ruído, como um fugitivo. Mas não era uma fuga? Ela se desmanchava, só. Seria justo que ele a abandonasse mesmo quando ainda havia amor, nas duas partes? Seria aquela realmente a gota d’água? Já haviam passado por tantas coisas juntos... Talvez agora ele estivesse mais feliz. Não voltariam. Dessa forma, ela enxugou com as costas das mãos a última lágrima e dormiu. Sobre a dor? Ainda não passou, mas vai passar.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Não era amor

        
       Não, aquilo não era amor.  Era um abraço quente em uma tarde fria, era uma boa música no som do carro, era uma saudade gostosa diante de uma viagem inesperada, era a morte premeditada da saudade no fim de semana próximo, era um sorvete de bombom, era um convite pra jantar. Não era amor...
        Era andar enlaçado pela cintura, era uma ligação de madrugada, era a briga no começo da noite, era a reconciliação no final. Era o filme da tarde, era uma mensagem boba, era mais um mês terminado, outro começado, era a censura do vestido curto, era um beijo roubado. Não era amor...
        Eram dois celulares desligados, era fervura, era a primeira, era a última, eram as fotos, eram os fatos, era a despedida, eram as cócegas, era o inabalável, era o elogio, era a espera, era o encontro, era a dúvida, era a necessidade, era o cotidiano, era o projeto da casa, era o acaso, era o propósito. Mas amor... Amor não era.
        Era a fuga, era um ciúme torto, era uma risada gostosa, era um segredo no ouvido, era a memória, era um esforço pra esquecer, era a vontade de lembrar, era o fim, era o começo, era a promessa, era um ensaio, era o desgasto, era a espera, era a distância, era mais um, era a idéia. Não... Amor, não.
        Era o descanso, era surpresa, era o desejo, era nada, era falta, era romance, era cinema, era o talvez, era o querer, era ternura, era pele, era colo, era mistério, era o mundo inteiro, era tragédia, era fingimento, era realidade, era adeus, era verdade, era brigadeiro de panela, era a dor, era o bem. Não era amor...
Era melhor.


domingo, 2 de janeiro de 2011

Samba e Amor

        
         Fazia frio naquela quase manhã. Ele acordara com os primeiros raios de sol. Olhou o lado. Ela repousava os cabelos castanhos sobre o travesseiro. O cobertor de lã insistia em manter descoberta sua pele branca. Ele lembrava os sonhos, o samba e as realidades da noite anterior e sorria torto velando o sono dela.
        Uma garrafa ainda repousava no chão, o trânsito já começava a reclamar daquele espreguiçar eterno. O relógio batia frio a hora de acordar, e, no entanto, ele lutava contra o muito sono que lhe atormentava e o convidava para mergulhar de volta ao aconchego. Ela virou-se e descobriu involuntariamente o resto da perna já desprezada pelo cobertor. O que estaria sonhando? Não conseguiu acordá-la.
         Ele lutou contra o desejo de permanecer. Aninhou-se em seus braços e falou alguma coisa ao seu ouvido. Ela riu e ronronou algo, não deu pra entender. Precisava levantar.  Beijou-lhe a face ainda ressonante. Fez um café pra dois. Tomou banho e saiu. Algum tempo depois ela acordou. No despertador, a hora de trabalhar. Na cozinha, um café forte. Na mesinha ao lado da cama, um bilhete.
           -Bom dia, amor. Já estou no trabalho. Seu sono não me deixou te acordar. Tive vontade de ficar com você, mas você sabe, não posso.  Te pego às 19:00 pra jantar. Esteja pronta. Amo você.
          Ela riu. Arrumou-se e saiu pra trabalhar. Como era difícil amanhecer... 

sábado, 1 de janeiro de 2011

O tempo passa, é fato!


        Ela acordou sozinha, procurou ao seu redor, somente a cama vazia e bagunçada, como se ele tivesse fugido de casa. Somente a discussão do dia anterior não seria suficiente pra que ele a abandonasse. Seria? E caso fosse, teria ele coragem de sair sem ao menos avisar-lhe? Teve.  Nenhum bilhete, nenhum telefonema. O guarda-roupa enfatizava seu abandono ao estar ali, vazio.
         Chorou dias, meses. Quanto tempo se passara desde que ele se fora? Não sabia. Alimentava seu masoquismo curtindo noites de Titanic e sorvete. Queria saber dos passos dele, de como ele estaria feliz sem ela e de como fazia questão de mostrar isso ao mundo. Procurava saber com ele estava, quem deitava na sua cama. A realidade era triste. Ele estava bem e sua cama preenchida.
       As poucas amigas traziam notícias dele em festas e bares. E por longos seis meses ela brindou seu abandono no aconchego do claustro. Olhou-se no espelho, percebera o quão estava morrendo diariamente enquanto ele sapateava por sobre a carne seca.
        Então ela abriu a janela. Os raios de sol, que agora lhe beijavam a face lânguida, a convidavam pra renascer.  Foi ao salão de beleza. Entrou na academia. Voltou a aparecer nas festas.  Conheceu outra pessoa. Ele tinha um bom papo, um bom corpo... Dizia incansavelmente o quanto ela lhe fazia bem e por conseqüência ele devolveu-lhe a vontade de ser viva.
       Certo dia desses, enquanto ela cozinhava chocolate quente, pra dois. Tocou-lhe o telefone. Atendeu.  Uma voz conhecida dizia-lhe que abrisse a porta e que nesse momento estava embaixo da sua sacada. Pegava um pouco de chuva. Ela se dirigiu até a varanda, era ele. O maldito ele por quem sofrera seis longos meses. Hoje ele não parecia mais tão feliz, não tão por cima.
        Ela falava-lhe ao telefone olhando-lhe da sua varanda. Disse que até lembrava-se dele enquanto cozinhava e ouvia a velha bossa que embalava as antigas noites. Mas isso era passado enterrado, ela não via a necessidade de maltratar ninguém.  Que gostaria muito de saber como ele estava, mas agora alguém lhe esperava sob o cobertor quente pra curtir a chuva e o filme. Não tinha tempo. Ele, lá embaixo, misturava as lágrimas com os pingos da chuva, dizia incessantemente que a amava, que não a podia perder.  Ela riu-lhe, pediu licença e entrou.  Seu atual namorado se dirigiu a varanda e fechou a cortina.
         Lá embaixo, ele chorava timidamente. Pensava que não estava preparado para perder o que até então era tão seu. Lá em cima, ela esquentava os pés em outros pés e ria do filme.